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A vida balança nas balsas

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Caminhoneiros que acompanham as cargas se expõem a riscos

Rafael Nobre, de Manaus, e Nelson Bortolin

Olhando com cara de poucos amigos para o sujeito que vinha com caneta e bloco de papel, seguido por outro com uma câmera fotográfica, os caminhoneiros que desembarcavam na Central de Abastecimento (Ceasa) de Manaus ou esperavam pela próxima balsa, numa manhã de outubro, receberam a reportagem medindo as palavras.

As balsas são enormes: esta, da Bertolini, pode levar 80 carretas

É que a Marinha proíbe o transporte de pessoas nas balsas; os motoristas só deveriam viajar nos rebocadores, junto à tripulação. Mas não é isso que acontece. Embora a maioria das carretas viaje desengatada, sem a presença de ninguém das transportadoras, há casos em que o cavalo e o motorista vão junto em viagens de vários dias pelos rios. Como não há acomodações para todos nos rebocadores (embora a lei mande que haja), os motoristas ficam nas balsas, dormindo nas cabines ou embaixo dos caminhões.

Na Ceasa de Manaus, a reportagem acompanhou a movimentação de balsas que levam 12 caminhões completos ou 16 baús. Pelo menos duas transportadoras dividem o espaço da balsa e cada uma envia um motorista com o veículo. Os outros motoristas vão de avião até o destino.

SÃO OBRIGADOS – Teoricamente, os caminhões têm rastreadores, a carga é segurada, a capitania dos portos fiscaliza as águas e a tripulação do rebocador tem todo o interesse em levar os produtos em segurança. Mas alguns motoristas confidenciaram que, ao invés de pagarem a viagem de avião, as transportadoras os obrigam a embarcar nas balsas e permanecer dentro dos veículos durante todo o percurso.

Isto vem ocorrendo nos trajetos Belém–Manaus e Porto Velho–Manaus. As cargas que circulam entre estas capitais demoram de quatro a cinco dias para completar a rota. “A gente acaba dormindo no banco do caminhão e fazendo as necessidades fisiológicas em sacolas ou garrafas de refrigerante e depois jogando no rio”, contou um deles enquanto fazia a “primeira refeição de verdade” em cinco dias, ao fim da viagem.

Outros caminhoneiros que estavam por ali disseram que, felizmente, nem todas as empresas agem desta forma. Um ex-motorista e hoje taxista que ouvia a conversa disse que as empresas proíbem os empregados de falar com jornalistas. “Nos meus tempos de carreteiro, vi alguns colegas serem demitidos por reclamar desses problemas na balsa”, afirma Joaquim da Silva Nogueira.

Mas o presidente do Sindicam do Pará, Eurico Tadeu, não considera graves as condições de trabalho nas balsas. “A Capitania dos Portos só libera o transporte do motorista se estiver tudo certo, se houver comida e água suficiente. Isto é bem fiscalizado e é muito rigoroso”, diz ele, que não vê problemas em que os motoristas permaneçam nos caminhões. “A balsa não tem estrutura para se fazer um alojamento”, justifica.

Por seu lado, o superintendente regional do Trabalho e Emprego no Amazonas, Dermilson Chagas, informou à reportagem que não tinha conhecimento de nenhuma denúncia formal de caminhoneiros a respeito de condições inadequadas de viagem em balsas. Mas prometeu enviar fiscais para verificar a situação das balsas em diversos pontos do Rio Negro.

DENUNCIA: Companhia diz que há alojamento

A JF de Oliveira Navegação, que junto com a Bertolini é responsável pela grande maioria das balsas que carregam carretas, admite que leva motoristas fora do rebocador. Segundo o diretor técnico José Luiz Batista, isso ocorre, no entanto, pela resistência dos motoristas em dormir nas quatro vagas para não tripulantes existentes no rebocador. “Às vezes, por comodidade, o motorista viaja no caminhão. O motorista vê o caminhão como a casa dele”, justifica.

Caminhão da Marvel embarca em Porto Velho: alguém tem que ir junto para cuidar da temperatura do baú

Já o gerente de Operações da Transportadora Marvel, Erni Canísio Follmann, garante que não há vagas nos rebocadores para seus motoristas. “Eles tinham que ter no mínimo 20 vagas para alojar motoristas”, afirma. De qualquer forma, a Marvel só embarca um motorista por vez nas balsas. “Temos que ter alguém para cuidar da temperatura do baú, porque levamos produtos refrigerados. Os outros vão de avião. É um custo danado para a empresa.”

Caminhoneiro passou apertado

Clair Antonio Dalarosi, 36 anos, morador de Chapecó (SC) e motorista da Marvel, não quer mais voltar a Manaus. No dia 3 de outubro do ano passado, quando estava numa balsa no Rio Amazonas, Clair pensou que iria morrer: ondas fizeram a balsa se desengatar do rebocador. “As balsas batiam uma contra a outra. Parecia que íamos tombar”, conta.

Segundo ele, neste acidente – sobre o qual a reportagem não encontrou nenhum registro – morreu o comandante do rebocador e um caminhoneiro caiu no rio, sendo encontrado vivo duas horas depois. O resgate da balsa também demorou duas horas, de acordo com Dalarosi. “Nunca mais quero voltar lá”, afirma.

Na Capitania dos Portos da Amazônia Ocidental não existe estatística sobre acidentes com balsas. Mas o comandante da Capitania, Paulo Brito, disse que acidentes podem acontecer, principalmente quando o nível das águas diminui, trazendo à tona bancos de areia e troncos de árvores.

 

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